sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Dos Não Assuntos: a H&M.

O que não falta por aí são manifestações acerca da polémica campanha da H&M. Esta é uma daquelas situações que eu considero ser um Não Assunto.

A marca lança uma campanha de vestuário infantil, onde surge um rapaz preto com uma camisola onde se pode ler "coolest monkey in the jungle" (= o macaco mais fixe da selva). A coisa "piorou" quando ao lado surge um rapaz branco com outra camisola onde se pode ler "official survival expert" (= especialista oficial em sobrevivência). E o mundo estremeceu.
Fonte: Google
Quando vi a imagem, achei os miúdos uns fofuchos e estilosos. E foi isto. Quando tomei conhecimento da polémica, lembrei-me do Manuel...

O Manuel era preto, como ele próprio dizia "puríssimo!", por ser tão escuro. Foi meu aluno, há uns anos, numa turma em que a maioria era branca. Estava sempre super bem-disposto, com a piada (inteligente) sempre na ponta da língua. Num dia de inverno bem escuro, fomos ver um documentário e, por isso, apaguei as luzes. Imediatamente ouvi: "Stora, assim vou ter de rir para você saber onde estou!". Rimos muito. Não dele, mas com ele. Respondi-lhe que não arranjasse desculpas para andar a fazer inveja aos outros dos seus dentes perfeitíssimos. [e eram. quem me dera!] Riram muito. Não de mim, nem dele, mas connosco. Este foi apenas um dos muitos episódios do Manuel. Não me lembro de alguma vez ter presenciado qualquer atitude racista ou mesmo de bullying. Fomos apenas dando ao preconceito o valor que ele merece. Zero.

Muitos foram os que consideraram esta campanha da H&M uma ofensa, a ponto de a marca desculpar-se publicamente e retirar a imagem. Compreendo todos aqueles que se sentiram ofendidos pela conotação da palavra "macaco". Sou branca (no inverno, sou um Beje 2; no verão, um Beje 3) e nunca poderei sequer imaginar o que essas pessoas sentiram, tendo em conta o historial de situações que eventualmente já viveram. Penso apenas que o preconceito existe como um parasita, sempre à espera de ser alimentado.

Voltei a olhar para a imagem e tentei imaginar um encontro entre aqueles dois miúdos. Provavelmente, falavam de plasticina ou dos legos ou dos jogos e nem sequer reparavam nas camisolas. Em reparando, provavelmente diriam "gosto mais da tua verde" ou "a tua laranja é mais gira". E, provavelmente, tentariam rapidamente ver-se livres de ambas, pois o que interessa é estar sem roupa a riscar paredes com canetas de feltro ou a chapinhar nas poças de lama.

A H&M lançou o parasita e as pessoas alimentaram-no. E com isto perpetuaram o preconceito.

E se ninguém tivesse comentado? E se aquela imagem tivesse sido "lida" apenas como a de dois miúdos fofuchos com camisolas (como tantas outras) coloridas? E se, ao lermos as mensagens das camisolas, apenas ríssemos muito... não deles, mas com eles?

2 comentários:

  1. O problema e mesmo esse, o de tirar importancia, a algo que nos importa muito. Ainda bem que finalmente alguem falou, porque senao meninos e meninas como o Manuel vao ter que continuar a fazer pouco deles mesmos, como um mecanismo de defeza, com medo que alguem o faca primeiro. Este e muitos outros anuncios sao horriveis. Por favour um pouco mais de sensibelidade, e nao tire importancia a coisas que voce provalvelmrnte nao percebe porque numca as sentiu na pele. Eu fui uma dessas criancas nas escolas portuguesas a rir de mim primeiro, para evitar a vergonha e o medo de que alguem fizesse pouco da menina com o nariz de macaquinha e o sorriso colgaite.

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    1. Peço desculpa, Virgínia, mas só agora reparei que tinha aqui alguns comentários, incluindo o seu.
      Respeito a sua opinião e, tal como referi no texto, "nunca poderei sequer imaginar o que essas pessoas sentiram, tendo em conta o historial de situações que eventualmente já viveram". A isto chamo respeitar o percurso de cada um. Individual e único. Lamento que não tenha entendido a minha mensagem, mas lamento ainda mais que tenha assumido tanta coisa acerca de mim, uma pessoa que não conhece: a minha falta de sensibilidade ou a minha falta de experiências negativas, como referiu.
      Volto a repetir: respeito a sua opinião. E concordo quando refere os tais mecanismos de defesa de que fala: vejo-os em ação todos os dias nos miúdos altos, baixos, gordos, tímidos, inseguros, brancos, pretos, emigrantes, com óculos, com aparelho, com borbulhas, na mudança da voz, sem roupa da moda, sem tecnologia da moda ou até sem nada evidente que o justifique. Chama-se adolescência, na minha opinião a fase mais dura que o ser humano atravessa, e conheço-a tão bem como poucos. Esta, sim, é uma característica que me pode atribuir seguramente.
      No entanto, quando existe aquela base sólida, em casa e na escola, que lhes dá força e segurança, eles ganham o mundo. Por isso, nem todas as reações são mecanismos de defesa e quando escrevi sobre o Manuel, sabia de quem estava a falar. Felizmente, o Manuel não é um dos casos que refere; infelizmente, nem todos são o Manuel. Mas continuo a defender que o mundo poderia ser melhor se "desimportássemos" o que não merece tanta importância.
      Se nos dissessem que o mundo acabaria amanhã, o que seria mais importante para si? Debater a questão do preconceito por causa da frase de uma camisola ou simplesmente ser feliz no tempo que lhe resta?
      Um bem haja!

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