segunda-feira, 17 de outubro de 2016

#omeuanoemfotos 290 | Literatura

Uma pessoa não envia trabalhos para casa e o que acontece quando chega finalmente a casa? Tem trabalhos! De Português, por isso não houve escapatória possível. O trabalho em si suscitou-me algumas dúvidas quanto à sua utilidade, mas nem vou aprofundar este aspeto. O que realmente me deixou com os pacovás a ganir foi a coletânea de textos que continua a persistir (ou insistir) nos manuais de Português!
Editoras e professores (por arrasto ou comodidade) continuam a tratar a Literatura como algo de reduzida dimensão e pouca (ou nenhuma) diversidade! Fez-me lembrar um comentário de um formando há pouco tempo: "'Stora, hoje em dia já não há muitos escritores, pois não?!" Quando o questionei sobre esta dúvida, respondeu-me: "Nunca li nada que não fosse de escritores que já morreram há não sei quantos anos!". Isto foi dito por um formando de nível secundário. Mais grave: um formando que verbalizou o que muitos julgam ser verdade.
Camões, Eça, Pessoa, Saramago (que ganhou um Nobel e, com isso, deixou de estar reduzido ao Memorial do Convento) são, sem dúvida, alguns nomes de referência que devem constar da leitura a proporcionar aos nossos jovens. Porém, para que eles consigam apreciar estas referências, há que haver uma descoberta (muitas vezes, guiada) das obras. É praticamente impossível isto acontecer quando lhes impingimos "Os Maias" e dissecamos a obra como se estivéssemos numa aula de ciências: identifiquem a estrutura interna e externa, retirem exemplos de comparação, ironia ou antítese, sublinhem exemplos de narração e descrição (fónix, vou ter de sublinhar as primeiras páginas da obra do princípio ao fim!), caracterizem as personagens, espaço, tempo, dêem exemplos, retirem do texto...e terminamos com "Os Maias" em retalhos, mas bem trabalhadinhos para o exame! E, já agora, gostaram da obra?!

Quando inicio as aulas de Literatura oiço sempre o mesmo comentário: "Pfff...ler?! Deve ser verdade! Eu não gosto de ler...", por vezes acompanhado de um "acredita que eu nunca li um livro na minha vida?!" E o mais triste é que é a mais pura das verdades. Hoje, enquanto andava às voltas com um excerto de "As Minas de Salomão" (obra que já fazia parte do meu manual de sétimo ano...) e explicava à pequena loira um pouco da ação da obra, ela desabafou que teve azar, pois ficou logo com "aquele que é um excerto de um livro"! Folheei o manual e dei de caras com muitos habitués destas páginas, enquanto lhe explicava que grande parte daqueles textos eram excertos de obras. Ficou surpreendida, não sabia. Depois foi toda uma correria à procura das categorias da narrativa: ação, narrador, espaço, tempo...

Precisamos urgentemente formar leitores, jovens que consigam construir um pensamento crítico, que consigam compreender a expressão do outro, que consigam criar no abstrato, porque tudo no mundo de hoje, do copy paste, empurra na outra direção. Para isso, como na vida, precisamos de dar mais importância ao conteúdo (e a tudo o que ele nos pode oferecer) e menos à forma.

Como seria uma aula de Literatura sem manual, livro de atividades, caderno, livros auxiliares de análise de obra? Uma aula em que o formador apenas distribuísse pelos seus formandos a obra e desse início a uma verdadeira exploração?

E é assim que temos o mundo a tentar compreender por que razão Bob Dylan ganhou o Nobel: uns porque consideram a Literatura uma espécie de clube exclusivo pertencente aos que narram milhentas páginas de ações densas publicadas em livros, outros porque o tipo era músico e compunha umas "cenas" enquanto estava mocado. Depois há os outros, poucos talvez, que entendem a poesia como uma das veias principais da Literatura, que no seu todo tem um forte impacto na sociedade e tantas vezes foi trampolim para mudar o curso da História. Muitos não se manifestam, porque nunca leram.

 

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