sexta-feira, 1 de maio de 2015

Pérolas do meu rosário #2

A 3 de março de 2012, uma conversa online com alguns dos meus alunos tornou-se uma inspiração de escrita. Publiquei o texto na rede social, na altura, mas hoje decidi recuperar esta pérola. E tenho tantas no meu rosário...


GANDAS FACADAS – “n faz mal isto e o Facebook”
Caro visitante online, antes de começar a ler, imagine uma língua sem pontuação ou acentuação, onde certas palavras são comuns e têm o seu próprio sentido, como é o caso de "neh" (= não é?), “nah” (= não!), "e" (que pode ser a conjunção "e" ou o verbo "é", conforme o contexto), "c" (pode ser "c" como "ç", conforme o contexto), "ai" (que pode ser "ai" ou "aí", conforme o contexto), entre outras. Procure ler com calma e atenção; tente manter a sanidade do início ao fim e divirta-se...


Sexta, dia 02 de março. Eu, professora de LP, lanço a novidade de que duas turmas empataram na participação do 4º Desafio do Campeonato de Língua Portuguesa e os participantes ficam curiosos. O seu entusiasmo provoca-lhes tal nervosismo e ansiedade, que a escrita não resiste... E começa, então, o grande diálogo a que os alunos chamariam de “Gandas Facadas!”, título que decidi atribuir a este momento único e, sem dúvida, digno de registo!Ansiosa, a Erica (7ºA) quer saber os resultados: "ai stora vala", que eu interpretei como "Ai, ‘stora, vá lá!". Mais adiante, o seu colega Bruno (7ºA) reforça a ideia: “vala!!!!”. Desta vez, a pontuação deu uma expressividade àquela palavra que me aterrorizou... E eis que, mais abaixo, a Dilsa grita “Valaaaa Storaa” – fiquei em pânico!!! Tendo em conta que uma "vala" é uma cova num terreno, onde muitas vezes se enterram os cadáveres, espero realmente que a minha primeira interpretação esteja correta... ou seria isto algum recado?!A Dilsa (7ºC) reforçou o pedido dos colegas com um “pleas”, que calculo ter sido uma tentativa de dizer “se faz favor”, em inglês… a não ser que se estivesse a referir à palavra “apelo”, que é o significado de “plea”, em inglês (corrijam-me ‘stores de inglês, se estiver errada). Na verdade, a aluna fez um apelo, mas se a minha tradução está correta é “please”. Eu aconselhava o “se faz favor” português ou, em abreviatura correta, “sff”. Mas sou toda ouvidos aos “pleas” dos meus alunos...Chega a Diana (7ºB) e pergunta, a dada altura, “nah stora diga la quem foram as turmas”. Não vou falar da falta de pontuação ou acentuação já referida, que é geral (e relativamente aceitável neste tipo de contexto online), mas preocupa-me quando as minhas turmas (nome comum coletivo contável) adquirem uma forma humana... fazem-me lembrar a transformação do Hulk! Correção: “quais foram as turmas” e eu durmo mais descansada, porque sei que nada vai ficar gigante, verde e mau!... :/É a vez do Nelson (7ºB). Enquanto acompanhava as novidades e o futebol ao mesmo tempo, interrompe as ameaças de “vala” à profª, as expressões fantásticas em inglês e as personificações à Hulk, com um “gOLOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO”! Será que se trocou todo e escreveu o que queria gritar e gritou o que queria escrever?! Ou seja, enquanto escrevia esta palavra enorme (que a começar por “g” minúsculo deve ter sido um golo pobrezinho…), será que gritou “QUAIS FORAM AS TURMAS QUE EMPATARAAAAAM??? QUAAAAIIIIS...”? Se assim foi, quem o rodeava deve ter ficado preocupado com o seu estado... Esta imagem divertiu-me. :)Depressa o divertimento passou, quando a Diana (7ºB) grita “Valaaaaaaaa Stora. Comecei a olhar em meu redor para ver se estava a ser perseguida ou vigiada por alguém. Já tinha representantes de 3 turmas a mandarem-me para a “vala”!!! Pouco depois, o Bruno (7ºA) grita “Benfica!!!!!!!” – o susto foi de tal ordem que fiquei pálida!!! “Será que já me estavam a imaginar na vala e a comentar “olha, que benfica!”...”, pensei. De repente, apercebi-me que já estava a pensar que escrevia de forma tão “requintada” como os meus alunos, mas não... Ufa! Era sobre o jogo de futebol... culpa do Nelson (7ºB) que escreveu o que queria gritar e gritou o que queria escrever!E, de facto, o diálogo continuou sobre futebol: o Miguel C. (7ºB) tentou uma aposta e o Nelson (7ºB) respondeu-lhe carinhosamente com um “oh”. Achei um mimo como os meus alunos se dão bem, porque podia ser um “ó” de chamada de atenção, mais agressivo... mas não, são uns doces estes alunos! No meio do futebol, chega o Jorge (8ºC), conhecido por Zuka, que diz que o Benfica vai “ganha”... se calhar com o novo acordo, os infinitivos dos verbos perderam o “r” final – esta mudança ainda não chegou cá, pelo que sei. Em resposta, o Miguel C. (7ºB) escreve “nuna” – percebi imediatamente que foi apenas uma gralha, toda a gente erra. Logo de seguida, o aluno corrige: “nunka”. Fiquei orgulhosa, por ter demonstrado atenção ao que escrevia; em relação à palavra, ainda se escreve “nunca”, apesar de já termos o K, W, Y oficialmente no alfabeto...Entretanto, a professora de LP ameaça tirar pontos se a conversa do Benfica se mantiver e o Nelson (7ºB), todo trocado, mas sempre atento, muda o rumo da conversa: “fomos nos”, expressão que interpretei como “fomos nós (que ganhámos o bónus)” e não como “fomo-nos (pela lista abaixo)”! E tinha razão, até porque o Miguel C. (7ºB) confirma: “eu sertificaime que todos participarao” (tradução: “eu certifiquei-me de que todos participavam”). Fiquei feliz com este espírito de equipa. “Ainda bem que te sertificaiste, Miguel!”O Zuka (8ºC) fica aborrecido, pois percebe que não participou, e começa a tentar justificar-se, pois “estava operado sem ir a escola”...apenas podia ir a visitas de estudo! “POIss” é, o Zukinha não ajudou a turminha...E eis que a Dilsa (7ºC) intervém: “mmu”... “O que é isto?!”, pensei. “Estará a rapariga no campo a ouvir as vacas e na brincadeira imitou-as?! Será que queria “gozar” com o Zuka (8ºC) e dizer “buuu”?! Seria uma nova forma de gargalhada...?!” Esta foi das mais difíceis, confesso. Depois de muito pensar, lembrei-me: será que é uma fantástica condensação da expressão “é mesmo isso”...?! Fico com esta teoria, porque os meus alunos são uns génios no que diz respeito à evolução da língua portuguesa!O Miguel C. (7ºB) volta à carga, quanto à desculpa do Zuka (8ºC): “hahahah gandas casadas n sabes mm enganar um stor tens de aprender comigo”. E realmente tem razão, ninguém melhor que ele para enganar os ‘stores: ainda agora estou a tentar descobrir quem são as “gandas casadas”! Uma devo ser eu, que sou casada, mas as outras...? Não sei.A Dilsa (7ºC) ri-se e mete-se com o Miguel C.: “qem te dera”. O meu coração encheu-se de orgulho quando li este “qem”, bem como o “qe” escrito mais adiante por ela... Ainda há pouco tempo, expliquei o trema (os dois pontinhos que se colocam em cima da vogal para que esta se leia...) e a minha Dilsa, não só entendeu, como aplicou logo na escrita... Melhor! O Nelson e o Ronildo (7ºB), como mais à frente revelam, já escrevem igualmente “qe” e ainda nem falei no trema na turma deles! “Se não tem um trema por cima do “u”, a vogal não se lê; logo, se não se lê, para quê escrevê-la (“quem”, “que”)... para quê complicar?!”, talvez pensaram. Um orgulho estes meus inovadores... Como disse a Diana (7ºB), “msm aserio” (tradução para os mais leigos: “mesmo a sério!”).Depois de a Dilsa (7ºC) tentar expulsar o Miguel C. (7ºB) virtualmente, este revela o grande segredo: “nunka vcs amao me”. Desta vez, não houve gralha no “nunca” (ups, desculpem... “nunka”, com o novo alfabeto), mas o “amao” nunca o conheci – deve ser outro jogador e a conversa virou novamente para o futebol (não há um jogador chamado “aimar”...?). Tive de intervir e chamar a atenção para a escrita – eu não tenho as grandes competências destes meus génios e não estava a conseguir acompanhar! “eu fasso tudo bem vc e que n ve isso”, reclama o Miguel C. (7ºB). Tive de refletir nesta reclamação: “Será que não estava a avaliar corretamente o talento dos meus alunos? Será que estava a ser demasiado exigente? Realmente, eu tenho alunos que “fassem” sempre tudo bem...”. De repente, olhei para aquela palavra: “fasso”. A imagem da vala voltou à minha memória – será que aquela seria apenas outra gralha e o Miguel queria dizer “fosso”, que significa “vala profunda”?! “Voltámos às ameaças?!”, pensei assustada. Sim, confesso, o pânico voltou a surgir...Por momentos, as ameaças pareceram acalmar e o Miguel C. (7ºC) explicou que estava a passar uma “ma faze da vida”. Eu entendi, como é óbvio, que os nervos deram conta dele e “faze” foi apenas uma gralha… Afinal, quem não sofreu dos intestinos na adolescência?! Ele achou que a “estora” era engraçada e aconselhou-me uma nova carreira – ainda estou a pensar nisso. Ao menos, no circo não tenho de me preocupar com estas coisas da escrita...O jogo de futebol termina e a conversa volta a este tema. O Ailton (7ºB) surge e comenta entre os colegas: “posso ser do Sporting mas to com tente por o porto ter ganho”. Quando li isto, acreditem, fiquei de todo “sem tente”!!! Quanto ao “to”, não o conheço, acho que nunca me apresentaram… No seguimento desta troca de favoritismos, o Miguel C. (7ºB) remata para o Ronildo (7ºB): “se quizeres rennie eu doute 1 comprimido desses mas no teu estado e melhor 2 comprimidos rennie”. Depois de ler isto, eu própria pensei mesmo em tomar uma caixa inteira… e não era de Rennie!!! Fiquei mais aliviada, pois percebi que deviam estar a falar um outro dialeto, quando o Ronildo respondeu: “tens muitos em casa ne tas sempre com asia”… Afinal, era tudo um mal entendido, pois o Ronildo devia querer dizer “na Ásia”: o Miguel C. (7ºB) é muito viajado e, como vai muito à Ásia (aquele continente que fica a oriente), utiliza um vocabulário muito próprio de algumas regiões de lá. Até porque o que dá “azia” ao Miguel C. (7ºB) são mesmo as “storas”. Agora compreendo – sofremos de alguma ignorância, de facto...A Erica (7ºA) fartou-se e tentou colocar ordem na conversa: “Agora tao a discutir clubes?! Não sabem o que é chat?!” Uma líder esta menina, mas eu já estava tão (ou será “tao?”, ou será “estão?”…) confusa com o talento linguístico dos meus meninos que tive de parar para conjugar o verbo: “eu tou, tu tás, ele , nós tamos, vós tais, eles tão”… Hummm?! Será?! Outra inovação, talvez...O Ronildo (7ºB) responde: “cala te a conversa nao e contigo”. Ainda dizem que os alunos não se adaptavam facilmente ao novo acordo… Se caíram os hífens (chamados também de “tracinhos”), caíram os hífens e “prontos”!!!A conversa finaliza com uma gargalhada do Miguel C. (7ºB). Em relação às gargalhadas, devo dizer que são muito características de cada um... Quando o nosso Zuka (8ºC) se ri, ouvimos “kkkkkkkkkkkkkkkk”, tal como a Dilsa (7ºC), mas esta fá-lo de modo mais suave (três ou quatro “k” chegam para o efeito); se for o Miguel C. (7ºB), ouvimos “hhahahhahahhahahha” ou “hahahah”, dependendo da intensidade da gargalhada, bem como a Diana (7ºB) – uma sintonia estes dois!Quanto à professora, profª, stora, estora, ou outro sinónimo qualquer, a gargalhada fica-se pelo “eheheheh”... O Miguel C. (7ºB) também aceita esta forma de rir e o Ailton (7ºB) amplifica-a no inverso: “hehehehehehehehh”.Porém, no fim de tudo isto, a professora ficou mesmo sem qualquer “eheheheh”, “kkkkkkkkkk”, “hahahahahah” ou mesmo um pequenino “lol”... Apenas restou um grande “AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHH!”!

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