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Ir às compras (ainda que não se compre nada) pode ser uma atividade com efeitos terapêuticos, especialmente para o público feminino. A pessoa passeia e desanuvia, enquanto deita o olho num monte de coisas que rapidamente a fazem esquecer dos problemas do dia a dia. Em alternativa, a mente (pre)ocupa-se apenas com a árdua tarefa de aumentar a lista do “Preciso disto na minha vida!” e durante umas horas as chatices ficam na gaveta.
Ora, isto tudo é muito bonito, quando este momento terapêutico não se torna num pequeno inferno. De que estou eu a falar, perguntam vocês?! Do famoso racionamento comercial que toda a gente, pelo menos uma vez na vida, já teve o prazer de experimentar: falo do número limite de peças que o cliente pode levar para um provador. Não sei quanto a vocês, mas isto a mim mexe-me com as entranhas!
Voltando ao início. Eu sou daquelas pessoas que gosta de ir às compras, não como entretenimento do género “deixa-me lá esticar as pernas, enquanto decoro pela milésima vez a coleção da Zara”, mas sim para comprar, porque de facto procuro algo. Ou seja, não tenho paciência para andar a experimentar só para conhecer - este tipo de relação tenho com a gastronomia (Inês, se estiveres a ler isto, refiro-me a legumes, claro). Com a roupa, havendo química, entramos logo em união de facto, se a carteira assim permitir. Logo, quando eu vou para o provador com metade da loja às costas, já investi muito tempo na seleção e procuro uma relação séria (ou várias)!
Cheguei à conclusão que esta atitude não é bem vista pelo comércio massificado. Uma pessoa chega com o carrego todo e leva logo com aquele olhar da funcionária, como quem diz “Olha para esta badalhoca que quer ir com isto tudo para o provador sabe-se lá fazer o quê! Isto é uma casa de respeito!” ou noutros casos fazem aquele olhar desconfiado como quem diz “Olha, olha...esta quer enganar-me e enfiar três macacões e quatro pares de stilettos dentro dos bolsos, para sair daqui sem pagar!”. Como não podem verbalizar o que vai na mente, reproduzem apenas o ensinamento: “Só pode levar 6 peças no máximo”. E uma pessoa vê-se de repente com a necessidade de fazer escolhas, quando há já todo um encadeamento de looks na seleção feita! Perante o stress da cliente (que parece ter tirado o dia para ir ali importunar), ainda acrescentam “Pode deixar aqui o restante e depois pedir”. E isto resolve tudo, de facto, pois não há nada que nos dê maior prazer do que sair nuas do provador para pedir, por favor, as restantes peças.
Há já uns tempos que me deixei disto e decidi marcar uma posição: não me deixam levar, ficam ali mesmo com a mercadoria excedente (por muito que me doa a alma); nos dias maus, ficam mesmo com tudo.
Depois de algumas lojas de fast fashion em centros comerciais, decidi este fim de semana experimentar a sorte no Chiado e...é tudo a mesma chachada!
Oysho: só podia levar 6 peças, então disse à funcionária que ficavam ali e foi para o lado que ela dormiu melhor...aquilo não é dela mesmo, quem quiser que se preocupe!
H&M: 5 peças no máximo (porque 6 já deve ser uma promiscuidade valente ou um assalto tipo Casa de Papel) e, quando respondi que ficavam ali, a funcionária mostrou-se um pouco ofendida, após se ter disponibilizado para me dar as peças à medida que fosse experimentando. Ironicamente, gostei muito de um vestido que estava nas 5 privilegiadas que entraram comigo, mas precisava de outro tamanho...espreitei, não a vi...pedi à minha parceira de shopping para pedir o tamanho quando a encontrasse e a resposta foi...”não posso porque isso está no outro piso”! WTF?! Sendo a loja a mesma nos dois pisos, deduzo que o auricular que trazem espetado na orelha seja só para ouvir música...
Pull & Bear: aqui decidi respeitar e levei 6 peças, resposta que dei à funcionária do provador quando me perguntou quantas peças levava. Atenção: ela perguntou e eu respondi (em português europeu) “SEIS”. Como devo ter ar de quem tem um extenso cadastro, a rapariga aproximou-se com ar desconfiado e confirmou uma a uma, antes de me dar a chapa da cela com o número 6. Quero acreditar que, no meio daquela situação, houve breves segundos de verdadeiro orgulho mútuo: ela por sentir que eu até poderia ser uma pessoa honesta, eu por perceber que ela até sabe um bocadinho de matemática, já que no português deixa muito a desejar...
Por fim, depois de mais uns quantos momentos destes, já no centro comercial Vasco da Gama, decidi ir a uma loja que não costumo frequentar, Cortefiel. Pensei que poderia ser diferente, até porque a loja estava quase deserta, mas foi mesmo a cereja no topo do bolo. Ainda eu estava a deambular e a escolher pela loja, quando uma funcionária se aproximou e perguntou-me se precisava de ajuda, mas com um de aparente preocupação. Disse-lhe que não, agradecendo, e eis que ela pergunta: “Sabe que só pode levar seis peças para o provador?!”. Fiquei com a sensação que já tinha snippers em vários cantos da loja comigo na mira à espera do sinal. Com os meus fígados já a entoar cânticos índios, fiz questão de levar mais de seis peças e pedi à minha parceira de compras que levasse o excedente. Chegando ao provador, a mesma funcionária perguntou quantas peças tinha. Respondi, agora sim de forma nada contente: “Seis! E ela tem o resto!”. A senhora hesitou, mas o seu instinto de sobrevivência prevaleceu e não quis arriscar a vida...ofendida, deixou-nos entrar e afastou-se para bem longe (provavelmente para me insultar). Desconfio que os snippers mantiveram as suas posições, em caso de eu decidir correr a qualquer momento com umas bermudas leopardo loja fora.
Aquilo que deveria ter sido terapêutico foi, na verdade, uma grande pilha de nervos. Infelizmente, o comércio fast fashion, na maioria dos casos, trata mal os seus clientes com as políticas que incute a funcionários que, em muitos casos, não têm perfil ou sensibilidade para estar no atendimento ao público ou simplesmente não vestem a camisola. E isto faz toda a diferença: não há trabalhos menores e maiores; há profissionais e empregados (=aqueles que são colocados no sítio X a fazer a tarefa Y e não passam disso). E depois há as políticas estúpidas das empresas que tendem a considerar preferencialmente cada cliente como um ladrão...até que este faça o pagamento. Às vezes, até depois disso, quando há um alarme que escapa...
E o mais grave é que nós permitimos.