Tenho andado com vontade de escrever, mas o meu humor (ou algo que se assemelhe a isso) está de luto. Pessoas morreram pelo humor às mãos da intolerância, por isso não consigo.
Apetecia-me fazer uma ode ao frio que me tem enregelado os pés, as mãos, os ossos, o cérebro...e que nem o Bailando do Riquinho Iglesias consegue calientar um pouco. Mas não consigo. Pessoas morreram pelo humor às mãos da falta de calor humano, da falta de pensamento livre e próprio, por isso não consigo.
Apetecia-me parodiar as famosas resoluções de ano novo, em especial aquela em que supostamente começamos a fazer dieta e exercício físico de forma exemplar (pelo menos durante as primeiras duas semanas de janeiro), mas em qualquer esquina há sempre um quadradinho de chocolate à espreita que se atira que nem um kamikaze para dentro de uma pessoa, boicotando qualquer tentativa de alimentação saudável. Pessoas morreram pelo humor às mãos de suicidas sem vontade própria que, cobardemente, se escondem atrás de uma figura sem voz nem presença, por isso não consigo.
O humor está de luto. Essa característica tão humana e que requer inteligência, tanto na sua criação, como na sua aceitação.
Porque inventamos palavras como 'tolerância', 'respeito' ou mesmo 'igualdade', sem nunca ter compreendido verdadeiramente o seu significado. Ficam sempre bem num discurso político ou num comentário televisivo (o tempo de antena das grandes personalidades dos nossos palcos aumenta substancialmente em período pós-tragédia) ou mesmo nos inúmeros posts do FB em que as fotos de perfil ou de capa se tornam todas bastante semelhantes. Somos todos Charlie?! Não, não somos.
Porque o homem não tem coragem para assumir os seus ódios e as suas frustrações, não tem coragem para se responsabilizar pelas suas ações desumanas, não tem coragem de confessar os seus preconceitos, julgando os outros pelo que aparentam ser. E assim escuda-se numa entidade divina, cuja voz é a que os humanos lhe deram, cujo pensamento é o que os humanos lhe atribuíram, cuja responsabilidade é a que os humanos lhe imputaram. Somos todos Charlie?! Não, não somos.
Porque continuamos a valorizar o que não merece valer nada e a perder de vista o que tem um valor incalculável, nesta vida que é apenas uma viagem que pode terminar a qualquer momento. É o nosso primeiro e inalienável direito: fazer a viagem. E enquanto durar, apreciar a vista, sem perder tempo com as coisas que são secundárias, que não nos deixam avançar.
Somos todos Charlie?! Não, não somos. Nem nunca seremos.
Mas eu acredito que, um dia, consigamos ser humanos.