domingo, 11 de setembro de 2016

Conto(-te) #7

Olhava repetidamente para o relógio, quase sem lhe dar tempo. O chefe iria chamá-lo a qualquer momento, mas a espera parecia interminável. Pensava no projeto que apresentara: apreciava a sua qualidade e adivinhava a tão desejada promoção. Terminavam ali as semanas a fio, embrenhado em trabalho: sem as noites de jogo com os amigos, sem as brincadeiras com a filha, sem o prazer da mulher. Hoje não: era o aniversário da filha, tinha de compensar a ausência, aproveitaria para comemorar; depois, entregar-se-ia sem pressas ao calor da mulher.
O chefe já o deveria ter chamado. Nos seus pensamentos, antecipava o momento: após os rasgados elogios ao projeto, ao seu empenho e ao seu profissionalismo, agradeceria com alguma classe, sem excessos de humildade ou de arrogância. Sim: uma postura equilibrada, um profissional que assim se reconhece e agradece a oportunidade. Largou por segundos as unhas e esboçou um sorriso, perdido na ânsia do que o aguardava. E o tempo parecia não querer avançar.

Um estrondo. Imensurável. Apocalíptico.

Dirigiu-se para a porta da sua sala: um sismo provavelmente, logo agora que o chefe deveria estar a chamá-lo. Por momentos, desvalorizou. O teto começou a desmoronar. As pessoas corriam pelo piso envoltas em pânico, desorientadas. Preocupou-se, tentou perceber o que se passava. Todos os pedaços do edifício pareciam desencaixar-se como uma construção Lego, sem dó, nem piedade. Para evitar a parede que desmaiava, fugiu para um canto junto à janela e encolheu-se. Dali, testemunhou o caos: as pessoas atropelavam-se, algumas escondiam-se, guiadas pelo instinto de sobrevivência, envoltas numa espécie de marcha fúnebre sem partitura.
Percebeu que estava preso, sem hipótese de fuga: começou a sobrevalorizar. Maldito projeto, maldito tempo perdido. Fechou os olhos, imersos em lágrimas. Pensou na mulher, no seu corpo, na sua cumplicidade, no seu amor. Maldito tempo perdido. Pensou na filha: tão pequenina ainda, à espera da brincadeira adiada. Abriu os olhos, que se estenderam pela janela: o fumo era cada vez mais escuro, cada vez maior; ainda se percebiam algumas nuvens, inocentes, companheiras dos grandes edifícios. Parecia ter entrado num filme, do qual desconhecia o enredo. Pensou outra vez na filha: não, não se iria render, tinha de sair do edifício. Tinha que estar presente, era o seu aniversário, aquele dia marcado para sempre pelo seu nascimento.

Não, hoje não iria fraquejar: era dia 11 de setembro de 2001.

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